Este texto mostra de forma subjetiva, momentos vividos por
nossos antepassados vieirenses, fato comum de toda cidade sigela como a
nossa, caracterizando situações típicas que nos fazem compartilhar uma
viagem na imaginação.
AS CONVERSAS NAS CALÇADAS
Por Francisco Farias
Ideiavermelha.blogspot.com.br
Às dezoito horas, na boquinha da
noite, a mulher já colocava a ultima “colherada” de janta no prato para
participar de seu lazer diário, sentada na calçada para fazer aquele
velho resumo do dia. Lá fora se encontrava algumas pessoas, o pavio do
algodão, catado na capoeira de João Fernandes, já queimava na lamparina,
soltando
aquela fumaça preta que representava um sinal de boa “piléria”. A lua
era a principal telespectadora para este momento, observando o “São
Jorge” dentro de seu núcleo, os humildes sertanejos desmembravam as suas
tristezas, alegrias, emoções e sucesso que colhiam ao longo do dia.
De um lado a senhora da casa, que já
havia terminado os afazeres lá de dentro, do outro o senhor com uma das
filhas mais novas sentado no colo, já “pegando traíra”, repousando a
cabeça no velho lençol de chita. Os vizinhos mais chegados já se
aconchegavam sentados no banco de madeira, com as pernas de forquilhas, o tilinar
no fundo da cafeteira já anunciava o café preto, preparado naquele
velho pilão feito de madeira de cumaru. Pronto! Todos já estavam nos
seus devidos lugares, esta noite prometia uma boa prosa.
A poetisa Fátima Abrantes já
defendia em sua literatura que “...todos sentados nas calçadas, para
falarem da vida alheia...” pois é, do que seria da história se não
houvessem o personagem e a narrativa fiel de sua dinâmica existencial,
nada melhor para contar ela, do que quem vive dentro dela: o povo.
Narrar nada mais é do que contar um fato como ele é, sendo necessário o
seu enredo e o desfecho.
As conversas nas calçadas eram uma
forma simplória de se viver e reviver a sua própria história: da filha
de fulano que ontem estava namorando o filho de “cumpadre”, mas hoje já
estava com outro – “que vergonha!” Do sucesso do bar de Zé grilo nas
segundas-feiras com fluxo do consumidor esquentando a “guela” com uma
branquinha ao som do mais novo disco de Valdique Soriano. As conversas
nas calçadas nunca tinha um tema específico, ela vinha do assunto mais
inusitado para aquele mais habitual.
Nestes diálogos sempre havia
fantasias, verdades e mentiras-Este ano o inverno vai ser bom, eu vi que
aquela árvore do pereiro das terras dos Fernandes floraram muito, ou
ainda, eu estava com dores no corpo, e muita febre e mandei Dona Maria
rezar e fiquei bonzinho- fantasia! O povo de Marcelino Vieira tem
capacidade de criar e fazer bonito, de acolher, de fazer
amizades-Verdade! Este ano os políticos prometeram que irão trabalhar em
prol da população, que seus projetos serão a favor da impessoalidade e
da probidade administrativa- que mentira!
As piadas, os sonhos, o observar das
pessoas que iriam passando na rua, descrevendo com detalhes a roupa que
sicrano vestia, onde comprou e quanto custou! Narrava a saudade que
sentia do filho mais velho, que havia deixado seu aconchego da família
para procurar ascensão
profissional na capital, cursando a sua sonhada faculdade. O poder de
criação é uma característica típica de nossa cidade, e muita inspiração
surgiu numa boa conversa na calçada. Naquela calçada bem singela,nasceu
os apelidos mais famosos de nossa cidade, muitas vezes nunca sabemos o
verdadeiro nome: Solé, Nenêm de Paulino, Birica, Tica de Helói, Nêga de
Guido, Nanan e Aun, dentre outros...
Hoje ainda existem estes diálogos,
os amigos, o encontro. Mas, tendo o tempo como necessidade de contar
fato, ele muda, e com ele muda os costumes, o cotidiano de cada um.
Aquele velho “boa noite” gritado lá do outro lado da rua e respondido cá
do terreiro de casa, já se restringiu ao MSN, facebook, Orkut,
elementos que nos levam a não colocar o pé fora da calçada, pois
conversamos com quem não conhecemos, e nos encontramos em qualquer
lugar, quebrando aquela rotina da “boca da noite.”